Através dos séculos, diz a máxima
que os gatos possuem sete vidas, tornando-os felizes privilegiados de seis
oportunidades de retomada que outras espécies não dispõem. Na prática, a natureza
desconfiada e peculiar dos gatos, a suavidade de suas passadas, a rapidez de reação
diante do inusitado, a flexibilidade de seus movimentos explicam os escapes
conseguidos. Favorecidos por esse comportamento, ainda que sejam obrigados a
iniciarem suas quedas de costas, terminam apoiados nas quatro patas.
Afora a crendice popular e a agilidade
felina, a milenar sabedoria dos ditados nos propõe interpretar seus sinais com
mais atenção. Ao contrário, a humanidade parece decidida a abreviar sua
trajetória já exígua por aqui. As atitudes tresloucadas do ser humano sugerem
uma crescente perda de noção das graves conseqüências de atos insanos. Há uma
declarada conspiração contra o bem mais precioso sob a nossa guarda: a vida. Risível imaginar
tais atitudes como defesa da existência, como luta pela sobrevivência. Seria
cômico não fosse trágico.
As pessoas estão muito
estressadas pelos problemas particulares, pelas agruras da vida, pela
desigualdade, pela injustiça, pela imperfeição do mundo. Ao reagirem, contra
tudo e contra todos, se mostram cada vez mais surpreendentes, mais
intempestivas, mais instintivas, portanto, mais animais. Não raro nos deparamos
com situações inacreditáveis, imagens chocantes nos obrigando a uma reflexão
maior sobre o rumo tomado pelas coisas. Precisamos estancar a sangria ou estaremos
fadados a um triste desfecho, muitos ou todos, mesmo se não formos
protagonistas dos confrontos.
Esse foi o caso do ônibus que
despencou do viaduto no Rio de Janeiro. Ao saber do acidente, de imediato
procurei informações sobre a namorada do meu filho. Ela não gosta de dirigir,
mora na Ilha do Governador e estuda no centro da cidade, pelo horário era potencial
candidata a estar naquele transporte. Para o meu alívio, não estava. Mas,
poderia ter sido uma das inocentes vítimas do assustador enredo cuja violência
até agora não consegui entender. Além de muitos feridos, sete vidas se
perderam, expressão a nos remeter aos gatos outra vez. Com certeza eles não
atacariam o motorista de um veículo em movimento. E, se estivessem no volante,
não desviariam a atenção antes de parar o veículo.
Quase simultaneamente, em outro
ponto do Rio, também num transporte coletivo, três desatinados se apoiaram na
impunidade de casos anteriores e se valeram da insegurança reinante para agredirem
homens e violentarem mulheres, incautos daqui e do exterior. Se aos
estupradores da van podemos atribuir o rótulo de marginais desprovidos de
qualquer resquício humano, o que dizer do estudante universitário que atacou o
motorista do ônibus? E de tantos outros protagonistas de desvarios no trânsito,
nos shoppings, nos bancos, nos estádios de futebol, nas escolas, enfim, na cena
cotidiana em geral, cosmopolita ou não.
Afinal, quem são os animais
irracionais?
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