domingo, 28 de abril de 2013

Cartas, cartões e telegramas



Ontem minha sessão de alcoolterapia foi no Bar dos Adelos, um lugar aconchegante bem em frente ao Centro Cultural dos Correios, esse último uma obra de minha gestão quando dirigente daquela empresa. O bar fica na Travessa do Tinoco, chamada assim desde 1783. Antes o logradouro se chamava Beco dos Adelos, local onde os adelos, comerciantes que negociavam objetos e móveis antigos, faziam seu ponto de encontro e de comércio. A exemplo do beco que mudou de nome, antes do Centro Cultural naquele prédio histórico da ECT funcionava a Gerência de Pessoal. No segundo andar, onde nos dias atuais se encontram exposições maravilhosas, há trinta e cinco anos assinei meu contrato e minha carteira de trabalho com aquela empresa. No saguão de entrada, onde vi meu nome listado numa relação de aprovados no concurso público de 1976, agora vejo meu nome estampado na mesma parede, numa placa de inauguração do Centro Cultural em 03/08/1993.
Isso me remeteu a um período inesquecível. Passei mais de um terço da minha vida trabalhando nos Correios. Lá exerci funções gerenciais em diversos setores e níveis, a maior parte do tempo ligado à área operacional, direta ou indiretamente. Era natural que, depois de uma vida lá dentro, tenha aprendido a admirar aquela instituição e seus funcionários. E mantenho esse sentimento até hoje.
Nos dezenove anos passados naquela estatal, aprendi muito com o pessoal da velha guarda. Juntando à experiência deles os ensinamentos da universidade, consegui uma carreira de sucesso que me fez chegar ao topo da organização no âmbito regional. Permaneci na direção regional carioca nos últimos nove anos dos meus dezenove de empresa. Entretanto, tenho consciência de que foram os funcionários os verdadeiros artífices do momento mais importante da história dos Correios, uma revolução para um salto de qualidade do qual tenho o privilégio e o orgulho de ter participado com efetividade.
Dirigir é importante, estratégico e imprescindível, pois o barco precisa de um timoneiro para determinar o rumo e desviar das ondas inesperadas. Por outro lado, quem sua a camisa fazendo as rotinas mais desgastantes e necessárias à sobrevivência das organizações, quem faz as grandes empresas brilharem ou sucumbirem são os executores. As formigas operárias da colônia postal, trabalhadoras incansáveis de verão a verão, não fogem à regra. A esmagadora maioria das organizações resistiria a um dia, talvez mais, sem o seu CEO. Mas paralisariam e sofreriam prejuízos irreparáveis, financeiros e de imagem, se lhes faltassem os executores, os operários, as verdadeiras rodas de sua engrenagem.
Sem qualquer demérito para tantas outras funções ecetistas, o carteiro é o símbolo dos diversos operários de correspondências de todos os tipos, cartas, cartões,  telegramas, todos hoje em desuso, e as encomendas que ainda continuam a ir para lá e para cá. Aprendi a admirar a figura do carteiro ainda na infância. Àquela época, empertigado em seu uniforme cáqui, o Lívio entregava as cartas em meu apartamento, no quarto andar de um prédio sem caixa de correio, sem porteiro e sem elevador. E olha que eram muitos prédios iguais num conjunto habitacional do IAPC em Del Castilho.
O Lívio era uma simpatia. Aguardávamos a sua chegada para receber, dentre outras, as cartas do meu tio Paulo, oficial da aeronáutica que então voava pelo mundo. Suas notícias, fotos e novidades eram esperadas com ansiedade enorme, cada qual com a sua relevância. Para os adultos, a certeza de que meu tio estava bem; para mim, a viagem pelas letras realizava os sonhos de menino. Além dos presentes que o meu tio sempre trazia, eu percorria através das cartas cada um daqueles lugares inatingíveis, todos só conhecidos nos filmes, nos gibis e nos livros, em especial os do Júlio Verne. A inspiração me estimulava a pedir presentes inusitados que iam de arco e flecha genuinamente índigenas a um bastão de basebol, passando pelo carrinho de carregar jornais de porta em porta.
A alegria de receber uma carta transformou o carteiro numa figura mais do que popular, fez dele um autêntico membro da família. Ajudados por uma quase inexistente rotatividade de pessoal, todos conhecíamos pelo nome o carteiro da nossa região. Era comum, em localidades do interior, se convidar o carteiro para um café, um pedaço de bolo e alguns minutos de descanso. Não menos comuns as histórias de romances entre esses peregrinos das notícias e as destinatárias que lhes confidenciavam seus desamores e decepções em correspondências entregues por eles.
Hoje, em razão da crescente insegurança e, sobretudo, do avanço da tecnologia e da fase menos nobre vivida pelos Correios, houve uma queda acentuada na popularidade recorde da empresa. Salvo raras exceções, seus principais dirigentes passaram a ser escolhidos na política partidária, portanto desconhecedores da matéria. Por esse motivo, pouco aparecem em entrevistas e a organização submergiu de tal forma que passa despercebida. Por consequência, pouco restou do glamour dos carteiros, esses profissionais tão bem retratados pelo personagem Dom Pixote, o cachorro dos desenhos animados. Ironia à parte, por ser o inimigo maior e habitual perseguidor dos carteiros, o cachorro dos desenhos divulgava a missão durante sua jornada. Costumava lembrar de forma recorrente o lema dos carteiros americanos: nem o vento, nem o sol, nem a chuva, nem a neve, nem as tempestades impedem o carteiro de chegar ao seu destino. Ainda cantava os versos de “ó querida, ó querida, ó querida Clementina” enquanto cumpria o seu ofício, buscando escapar das mordidas ferozes dos cães de sua região.
Enfim, resolvi escrever para homenagear a empresa que faz parte indissolúvel da minha vida. Não poderia fazê-lo de maneira mais adequada do que valorizando todos os profissionais que a fizeram crescer e chegar um dia ao patamar de mais eficiente estatal do país. Houve um momento de reconhecimento tão grande pela população que os Correios ficaram à frente de instituições cuja relevância, investimento e atenção governamental eram muito maiores. Se hoje os tempos são outros, a fase romântica permanecerá eternamente em minha memória. Enquanto a modernidade não inventar o transportador molecular, pelo menos as encomendas serão entregues pelos carteiros. E, seja como for, nunca me esquecerei das alegrias, das tristezas, dos amores ou dos desamores transportados em envelopes. Eles eram transmitidos de todo o planeta pelas milhares de palavras protegidas pelo carteiro, que simboliza o elenco de valorosos profissionais da  Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Mesmo não sendo 25 de janeiro (Dia do Carteiro) nem 20 de março (Dia da Fundação da ECT), cabe a homenagem. Afinal, eles trabalham todos os dias em nossas lembranças.

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