sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

A fortuna dos políticos





Não sei se o título “O cio da terra dos privilegiados” assustou, mas não houve muito interesse num assunto sério. Afinal, corrupção mata. Por isso, volto a escrever sobre o tema. Exceção a um e outro escândalo, como agora os 700 milhões desviados da saúde em Duque de Caxias, a impunidade deita e rola nos contratos superfaturados, conchavos, acordos espúrios, associações escusas, o nome que se queira dar. Como suportar isso sem reagir? Não há uma forma de monitorar e coibir essas tramoias? Quando perpetradas e descobertas, caso do Mensalão, por exemplo, como reaver tão significativos valores? Ao contrário, ainda vemos quem os defenda. Mais ou menos no tom “se eu estivesse lá faria a mesma coisa”.
Afora os exorbitantes salários dos governantes, benesses, vantagens e nepotismo, a prática das negociatas precisa ser banida em definitivo. Convivemos com o enriquecimento de quem exerce o poder sem a nossa devida contestação, sem uma reação à altura da gravidade da questão. São recursos embolsados e diminuídos das aplicações sociais tão carentes, seja na saúde, na segurança, na educação ou em outra área cuja premência todos conhecemos. O povo precisa se mexer, discordando de um hábito abominável, mesmo em regiões de pouca mídia e divulgação pequena. Nas praças de maior vulto então, é inaceitável fechar os olhos à situação.
O exercício que pretendo fazer aqui diz respeito ao melhor instrumento de aferição. As declarações de rendimento confrontadas com o aumento de patrimônio em desacordo com os vencimentos pode ser um bom início. Porém, não deve ser o único. Os parentes, próximos ou não, precisam acompanhamento. Heranças, prêmios de loteria, enfim, tudo que se assemelhe às cortinas de fumaça. A atividade do homem público não pode se limitar a ser honesta, tem que parecer honesta. Sinais de riqueza aparente não combinam com essas funções. Não merece isso o povo miserável, padecendo nas filas do INSS e dos hospitais públicos, morrendo nas enchentes e desabamentos. Chega a ser afronta.

Faça um breve exercício de memória e procure recordar quantos casos você conhece, em sua cidade, em seu estado ou em outro município ou unidade da federação. Não importa o valor envolvido, nem o status do político. Trata-se de fazer uma lista de casos, até para valorizar as raras exceções que confirmam a regra. Qual seria a sua sugestão para minimizar, se possível eliminar essa prática execrável? Ou você entende que não há o que fazer e nos resta apenas a resignação?


sábado, 19 de janeiro de 2013

Árvore octogenária





Não importa a estação, em pleno verão as folhas podem vir cambaleantes num movimento pendular cujo limite é o chão. Poucos testemunham a repetição enfadonha de suas trajetórias, uma após a outra, numa fila respeitosa. A vez se decide nas raízes, nas entranhas da natureza, na complexidade da genética. Só se percebe o momento no desconectar repentino do todo, no desenlace da troca. O tronco permanece altivo e soberano, os galhos sacodem ao vento, eventualmente. A placidez do entorno emoldura décadas e atravessa o século em sua presença. Sua seiva alimenta os insetos, medica os enfermos. O ritmo alucinante dos pássaros percorre dia após dia cada centímetro de sua exaltação à existência. Ali anunciam os primeiros raios do sol, solfejam pela noite, chamam seus pares, se aninham, alimentam suas crias e voltam sempre à realidade da sobrevivência. 
As pessoas tanto quanto buscam a sombra como reclamam do lixo nas calçadas. Perpetram planos de extermínio, procuram razões filosóficas para justificar suas intenções, diante e por trás da exuberância in natura. Nada se cria, tudo se transforma. Eles e nós seguimos todos, por ar e por terra, nossos caminhos entrelaçados, dependentes das mesmas sementes. Voamos, andamos, rastejamos humildes frente ao monumento da solidez. Sua dignidade comove os sensatos, sua benevolência corrige os injustos, sua solidariedade ampara os fracos. 
Sol ou chuva são impotentes à sua resistência, suas raízes se fortalecem mais à medida que o tempo passa. A serenidade de seus movimentos contagia, a magnitude de suas formas envaidece o Criador. Seus frutos imperfeitos espalham pelo mundo defeitos até então inexistentes, não conseguem reproduzir a fidalguia de suas origens. A gentileza autofágica conspira contra os anseios mais nobres de uma força poderosa. Um caule marcado pelas agressões de tantas espécies, pela erosão inclemente da insensatez, da incompreensão, da ignorância, do imponderável. 
Quando o caule e a pele se confundem, as árvores longevas se misturam às almas santas e lembram pessoas especiais, somente as mais importantes. Não importa quantas estações elas viveram, seu legado se assemelha na integridade de seus propósitos. Umas choram lágrimas, outras o sereno, ambas umedecem terrenos parecidos. A felicidade está naqueles cuja proximidade de alguma forma permite matar a sede de sabedoria. O terreno fértil à sua volta nem precisa de muito, basta a contemplação. 
É preciso olhar com vivacidade em tempos devastadores, quando a rotina ceifa os troncos que nos permitem respirar. Não são muitas as árvores octogenárias, embora haja as que perdurem muito mais. Todas merecem nosso respeito, mas dediquem às mais expressivas uma pausa maior de seu ócio. Poderão conhecer uma linda história, de luta, de fibra, de superação. Não se intimidem ou fujam de sua imponência. Sentem-se sob sua frondosa e magnânima sombra, escutem o sussurro de seus segredos. Nada poderá trazer maior êxtase ou relevância em nossa passagem terrena. 
E agradeçam por cada um desses preciosos instantes. 
Por eles, brindem como ela costuma fazer: À VIDA!



sábado, 12 de janeiro de 2013

O cio da terra dos privilegiados





Li dia desses que um ator argentino famoso naquelas plagas, Ricardo Darín, virou persona non grata na Casa Rosada por ter criticado o aumento do patrimônio da família Kirchner. O ator cometeu a blasfêmia de questionar a multiplicação por doze do patrimônio do casal presidencial argentino depois da chegada ao poder. Também sempre me intrigou o fenomenal sucesso dos políticos em geral nas finanças pessoais. Um verdadeiro milagre dos peixes não repetido nos números do erário.
Na prática, a exponencial evolução patrimonial respeita uma relação direta com o status do cargo ocupado. Jamais entendi porque não se estabelece um controle sobre o descalabro desse enriquecimento mágico. Os vencimentos de qualquer função pública são conhecidos e publicados nos Diários Oficiais. Inclusive faz tempo que a internet facilita o acesso a essas informações. Ainda assim, a execução de uma simples operação, a de multiplicar a remuneração pelos meses decorridos entre a posse e a exoneração, não consegue esclarecer.
Desafio qualquer um a fazer essa elementar prova dos nove, digamos assim. Procurem as origens dos políticos mais conhecidos, só a título de exemplo. Caso não venham de uma tradição familiar no ramo político, justificando por si só, ou não tenham nascido em famílias ricas, chega ser espantoso o tino comercial de todos. Os zeros à esquerda nos saldos bancários se catapultam para a direita, antes da vírgula, é óbvio, com uma facilidade impressionante.
Eles, esposas, filhos e agregados usam as grifes mais famosas em itens de vestuário, acessórios, relógios, gravatas, perfumes, mimos de todo o tipo. Imóveis residenciais, de praia e de campo, não raro fazendas de pecuária leiteira ou de reprodução. Enfim, um rol inimaginável de opções de investimento com retorno espetacular em poucos anos, garantindo o futuro da família por algumas gerações.
Apenas confirmam a regra as raríssimas exceções dos que assumem pobres e saem remediados. Um mistério impenetrável, um exercício de economia merecedor de atenção mais detida. Um tema digno de consultorias e palestras desses gênios da economia, decerto muito bem pagas, proporcionando à humanidade a oportunidade de aprender o caminho das pedras dentro da legalidade.
Nem falo do turismo forçado que os dedicados homens públicos e sua prole costumam fazer pelo mundo. Globe-trotters por dedicação extrema, sempre em causa justa pela melhoria de vida da população. No ímpeto de nos servirem cegamente, nossos governantes rodam o mundo durante seus mandatos, uns mais outros menos. Alguns ficando mesmo mais no exterior do que na região sob sua responsabilidade. Viagens pagas pelo dinheiro do contribuinte, diga-se de passagem, sem trocadilho.
Apesar de todos esses gastos e sinais de riqueza aparente, os políticos conseguem amealhar fortunas incalculáveis. Será impossível monitorar isso através de auditoria da Receita na saída desse pessoal dos corredores felpudos palacianos? Ao menos nas contas mais estratosféricas? Estou exagerando ou conhecem alguém que se enquadre nesse perfil? Qual a origem de tanto dinheiro? Alguma vez ele nos foi devolvido, a título de doação, em obras de saneamento básico, em investimentos na saúde, em melhorias na educação?
O que fazemos a respeito, entra governo, sai governo? Somos meros espectadores observando estarrecidos o despontar de carreiras políticas de esposas, amantes, filhos, filhas, netos, netas, parentes próximos ou não, todos seguidores da mesma cartilha. Se pudessem se defender, o que diriam o meu, o seu, os nossos suados cobres tributados? Como entender por que o cio é só na terra dos privilegiados? Pior, como aceitar isso com tamanha resignação?



sábado, 5 de janeiro de 2013

Deixa a vida nos levar






Os rostos se repetem em 2013. Não houve sequer a criatividade de mudar muito as cenas ou as locações. O ano começa tal o passado e, bem provável, qual o próximo. As vítimas, por serem muitas, não há certeza ao registrar. Seus rostos, muito menos. Os rostos mais conhecidos, os de sempre. Em meio ao sofrimento de tantos, sobrevoam o cenário da catástrofe, prometem mundos e fundos. Os fundos escoam pelos ralos tradicionais. Os mundos dos desassistidos seguem o curso do ralo do destino. Se tem notícia dos fundos quando viram butim mal dividido, quando desavenças costumam revelar as nojeiras ocultas por artimanhas sofisticadas, propinodutos e quetais. Impressiona a alquimia transmutando um patrimônio modesto no início da carreira política em riqueza absurda após alguns anos de mandato.  
Molhados pela chuva esperada e pelas lágrimas dos infelizes, os eleitos teatralizam. Em sua atuação preferida, escolhem a expressão mais contrita, as palavras mais adequadas e buscam transformar a tragédia anunciada em bônus político, por incrível que isso possa parecer. Se o lixo da desgraça foi acumulado pelo antecessor, a culpa recai sobre quem saiu. Caso contrário, escolhe-se outro bode expiatório, vários bodes, mamutes, pterodátilos, enfim, a história é tão antiga que os animais já foram extintos. A desfaçatez não se extingue, está aí até hoje.
As manadas de gente viram estatísticas, ano após ano. 2013 significa apenas um número, tão somente mais um registro, numa repetição repulsiva de incompetência, desmandos, improbidades, descalabros, escândalos, corrupções, desgovernos. E muitas mortes de inocentes. Arrastados pelas encostas, pelas águas, pelas árvores, pelas balas perdidas ou achadas, pelas epidemias ou pelas doenças comuns, pelos hospitais sem plantonistas, pelo atendimento precário em qualquer lugar, pela covardia, pelo descompromisso, pela desesperança.
Mas nenhum dos óbitos soa importante. Sem ressonância, mínima repercussão. O tempo se incumbe de relegá-los ao esquecimento até o ciclo se renovar e procurar os alvos da vez. Nomes famosos só nas manchetes, nas declarações inócuas, nas desculpas esfarrapadas. Sobrenomes de peso constam nas listas apenas quando o acaso se equivoca. Raríssimo encontrá-los como vítimas nas páginas abomináveis das ocorrências policiais, das enchentes, dos desmoronamentos. Os acidentes da natureza e a insegurança nossa de cada dia possuem um padrão peculiar de opção.
Enquanto isso, vida que segue. O povo, os incautos, os martirizados, esses acordam a cada dia, giram o tambor e apertam o gatilho, numa roleta mais carioca do que russa. O resto fica por conta do Grande Arquiteto do Universo. O problema é que Ele anda bastante ocupado com as mazelas desse orbe conflituoso, desigual e injusto. Um dia Ele se cansa e os Maias de plantão acertam uma previsão. Até lá, um solidário de origem pobre e de coração nobre vai ajudando a deixar a vida nos levar. Canta aí, Zeca.